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Filme 'Somos tão jovens', biografia de Renato Russo, resgata Turma da Colina; veja vídeo

27/06/2011 | 11h57min

"Vocês são joia", disse um jovem Renato Russo, há uma semana, numa noite fria de Brasília. Renato repetiu a frase duas, três, umas 15 vezes. O cenário era um palco montado no campus Darcy Ribeiro, da UNB, com quase cem pessoas em volta, assistindo com animação ao show do retorno do cantor ao Aborto Elétrico, sua primeira banda. A seu lado, estavam os irmãos Fê e Flávio Lemos, parceiros dele no grupo, além de toda a Turma da Colina - o embrião de grupos como Capital Inicial e Plebe Rude -, que invadiu o palco para gritar junto daquele Renato o refrão de "Geração Coca-Cola". Eles fizeram isso duas, três, umas 15 vezes. Eram os filhos da revolução chegando ao cinema.
O Renato de uma semana atrás foi o ator Thiago Mendonça, protagonista de "Somos tão jovens", longa-metragem que o diretor Antonio Carlos da Fontoura está rodando, desde o início do mês, em Brasília, e que segue em julho para Paulínia. O filme, cujo lançamento está previsto para o ano que vem, será um recorte da vida de Renato, dos tempos em que ele era um adolescente enfurnado em seu quarto por conta do tratamento contra a epifisiólise (doença óssea rara) até os primeiros meses da formação da Legião Urbana. Será, portanto, a recriação de todo um movimento cultural surgido em Brasília na virada dos anos 1970 para os 1980, com a música em primeiro plano, inclusive com atores cantando e tocando ao vivo para as câmeras, num fato raro no cinema, talvez único no Brasil - geralmente, em cenas de shows para cinema, o som é inserido na ilha de edição.

- Quando me chamaram para participar e li o roteiro, avisei logo que não faria muito sentido um filme sobre músicos sem que eles tocassem de verdade - afirma Carlos Trilha, diretor musical do longa, produtor dos dois discos solo de Renato e ex-músico de apoio da Legião. - Como se trata da história de garotos aprendendo a tocar, foi perfeito juntar uma turma que mal sabia pegar num instrumento. Meu trabalho tem sido ensinar a esses atores.
A filmagem do show da UNB, por exemplo, é a reconstrução de uma cena real ocorrida com Renato e o Aborto Elétrico. O cantor havia saído da banda após brigar com o baterista Fê Lemos e passou a se apresentar como Trovador Solitário. Em seu lugar, Ico Ouro Preto, irmão de Dinho (cantor do Capital Inicial), hoje fotógrafo, assumiria os vocais da banda. Mas Ico se assustou ao ver o público à sua frente e fugiu. Fê, então, foi atrás de Renato e pediu para ele se unir mais uma vez ao Aborto.
- Eu não tocava nem cantava. Aprendi tudo com o Trilha - diz Thiago. - As pessoas envolvidas com o filme tiveram uma relação muito pessoal com o Renato. Têm um afeto. Acho que, por isso, hoje eu mesmo me sinto próximo dele.
As coincidências que envolvem a produção de "Somos tão jovens" têm um quê místico por um lado e um cinematográfico por outro. Em 2006, Fontoura encontrou casualmente na rua o produtor musical Luiz Fernando Borges, amigo próximo de Renato e pessoa incumbida pela família do cantor de cuidar da possibilidade de uma cinebiografia. Borges estava no Jardim Botânico, andando pela calçada a caminho da casa de Ed Motta quando avistou o diretor, com quem não tinha contato havia 25 anos, desde que eles participaram do mesmo grupo de terapia. A conversa foi breve, como costuma ocorrer nesses encontros. Perguntaram sobre a vida, relembraram alguns assuntos do passado e falaram de projetos futuros. O filme sobre Renato, que ainda era apenas um sonho, então, veio à tona. "Que bacana", um disse. "Quer dirigir?", o outro respondeu. Se fosse necessário escolher uma trilha sonora, "Vamos dançar" cairia muito bem. Obrigado, Ed.
Mas, no cinema, nem tudo é tão simples como foi a conversa entre Fontoura e Borges. Era preciso montar equipe, reunir elenco e, o mais difícil, arrumar patrocínio. "Religião urbana" foi o primeiro título escolhido. Durante dois anos, porém, eles só ouviram respostas negativas de investidores, atrasando o projeto. Até que Dona Carminha Manfredini, mãe de Renato, chamou o diretor para um almoço e sugeriu a mudança do título para "Somos tão jovens", argumentando que seu filho nunca foi pregador, religioso, nada parecido. A frase foi tirada da letra de "Tempo perdido", um dos maiores sucessos da Legião. Fontoura não tinha tempo a perder e prontamente aceitou o conselho.
- Na semana seguinte, começamos a ganhar editais - lembra o diretor. - Eu acho que o Renato deve estar num universo paralelo dizendo o que cada um de nós deve fazer. A minha meta é que ele e quem o representa neste planeta fiquem felizes com o filme. A Legião Urbana sempre esteve presente no coração dos jovens. Este filme não é apenas sobre o Renato. É sobre todos esses jovens.
Da maneira como as coisas estão se desenrolando, a meta de Fontoura de satisfazer a família de Renato está bem encaminhada. Na noite da filmagem do show na UNB, Dona Carminha não esteve presente, mas foi bem representada por Carmen Teresa e Giuliano, irmã e filho do cantor. Giuliano, aliás, participa de "Somos tão jovens" como roadie do Aborto Elétrico. Já Dona Carminha se emocionou pelo menos uma vez no set, ao ver Thiago caracterizado como seu filho. Ela pegou o ator pelos ombros e disse: "É o Júnior".
- Houve um dia em que eu me assustei. O Thiago estava de barba, tinha uma energia ali, como se meu pai estivesse presente - conta Giuliano, que hoje trabalha como produtor de eventos e que também faz uma ponta em "Faroeste caboclo", de René Sampaio, longa baseado numa das canções mais famosas da Legião e que foi rodado há dois meses. - É bom que uma geração mais jovem veja os filmes e se pergunte o que significaram aquelas músicas.
Filho de Dado Villa-Lobos interpreta o pai
Os amigos de Brasília também têm acompanhado a produção de "Somos tão jovens". Eles leram o roteiro, viram as fotos dos atores que os interpretariam e aprovaram o uso de imagem. O único personagem modificado foi o sul-africano André Petrorius, um dos fundadores do Aborto Elétrico, morto em 1987: como sua família não foi localizada, seu nome foi modificado para Petrus, um papel a cargo de Sérgio Dalcin. Já Philippe Seabra, guitarrista e cantor da Plebe Rude, está tão envolvido no projeto que foi algumas vezes ao set, eventualmente liga para o ator Victor Carballar para saber como está seu personagem e ele próprio filmou uma ponta, como um policial que prendeu a turma após o primeiro show da Legião, em Patos de Minas (MG), em 1982.
Além de Seabra, estão no filme Dona Carminha (Sandra Coverloni), Carmen Teresa (Bianca Comparato), o pai, Renato Manfredini (Marcos Breda), Dado Villa-Lobos (Nicolau Villa-Lobos), Marcelo Bonfá (Conrado Godoy), Fê Lemos (Bruno Torres), Flávio Lemos (Daniel Passi), Dinho Ouro Preto (Ibsen Perucci), André X (Kael Studart), Ico Ouro Preto (René Machado) e Herbert Vianna (Edu Moraes). As atrizes Laila Zaid, Olivia Torres e Nathalia Lima Verde, por sua vez, vivem amigas da turma. E, naturalmente, os sobrenomes de Dado e Nicolau não são coincidência.
- Eu tinha 8 anos quando o Renato morreu. Lembro da minha mãe me contando - diz Nicolau, hoje com 23 anos, filho de Dado. - Acho que conheço bem a parte gestual do meu pai. Ele é sério, fechado, tímido. Não vai ser difícil.
Nada parece mesmo difícil para essa turma, os filhos da Geração Coca-Cola profetizada por Renato. Assim como nada pareceu difícil para o cantor que superou a doença da adolescência e o isolamento cultural de Brasília para conquistar o país. Como ele escreveu em "Vamos fazer um filme", canção lançada em 1994: "Sem essa de que estou sozinho, somos muito mais que isso."

Antonio Carlos da Fontoura
A adolescência de Renato Russo, período no qual compôs hits como “Geração Coca-Cola”e “Que país é este?”, será tema do filme “Somos tão jovens”, de Antonio Carlos da Fontoura. Com filmagens marcadas para abril e maio de 2011, a produção terá como protagonista o ator Thiago Mendonça, que interpretou o sertanejo Luciano em “Dois filhos de Francisco”(2004).
“O filme mostrará como o Renato Manfredini Júnior, um moleque de Brasília que lia Shakespeare em inglês e sonhava com o estrelato, se transformou em Renato Russo”, sintetiza o cineasta, autor de longas como “Copacabana me engana”(1968) e “Gatão de meia idade” (2006).
Segundo o diretor, um dos pontos altos do filme será o período em que o cantor e compositor sofreu de uma doença óssea rara, a epifisiólise. “Ele tinha apenas 15 anos e era obrigado a ficar em casa, se tratando com morfina. Mas foi nessa reclusão forçada que começou a armar seu plano: se tornar o maior roqueiro do Brasil”, relata Fontoura. “Renato soltava a imaginação, escrevia diários com letras, e reportagens fictícias no qual relatava seu encontro com David Bowie e uma briga com Mick Jagger. Também foi nesse período que ele começou a colecionar vinis e entrou em contato com o punk”.
Thiago MendonçaO ator Thiago Mendonça: ele será o Renato Russo
de 'Somos tão jovens'. (Foto: Divulgação/TV Globo)
No roteiro, ainda em tratamento, o diretor pretende documentar a cena roqueira de Brasília nos anos 80, falando não apenas sobre a Legião Urbana e o Aborto Elétrico, as bandas de Russo.
“A formação do Capital Inicial também será registrada, bem como a de outros grupos importantes dessa época, como os Paralamas do Sucesso”, explica. “O Renato também teve sua fase de saco cheio de bandas, e saiu em carreira solo como ‘Trovador solitário’. Foi nesse momento que compôs músicas mais longas, como ‘Eduardo e Mônica’ e ‘Faroeste caboclo’”.
Fontoura pretende executar todas as cenas na capital federal, exceto aquela que mostrará o primeiro show da Legião, em 1982. “Estranhamente não foi em Brasília que os meninos estrearam, mas em Patos de Minas. Vamos filmar essa passagem lá.”

Participações afetivasA família Manfredini tem tido envolvimento direto no projeto. Carmem, a irmã de Russo, foi uma das principais incentivadoras da realização do filme. “Ela colaborou bastante na pesquisa. Forneceu dados sobre a infância do Renato, abriu o álbum de fotografias e seu baú de histórias”.
No entanto, segundo o diretor, foi a mãe do cantor, Maria do Carmo, quem deu uma das contribuições definitivas. “O nome original do filme era ‘Religião urbana’. Era uma referência à essa adoração quase sagrada que os fãs tem pela banda”, explica Fontoura. “Mas aí a Dona Carminha me chamou pra conversar e disse que o filho deveria estar se revirando no caixão com esse título. Ela contou que o Renato odiava essa veneração meio religiosa, dizia que não tinha vocação pra padre, nem pastor”.
“Somos tão jovens” foi nome sugerido pela matriarca Manfredini e acatado de imediato pelo diretor.
Quem também participa da produção é o filho de russo, Giuliano Manfredini, de 21 anos. Produtor musical, o rapaz está selecionando bandas para se apresentar na trama. “Vou filmar vários musicais, ao todo serão 19 faixas espalhadas em cenas”, adianta o diretor.
Ainda na parte musical, “Somos tão jovens” terá Carlos Trilha assinando a trilha sonora. Profundo conhecedor da obra de Russo, o produtor foi parceiro do cantor em dois de seus trabalhos-solo, “The stonewall celebration concert” (1994) e “Equilíbrio distante” (1995).
Na lista das “participações afetivas” estão ainda os filhos do guitarrista Dado Villa-Lobos e do baterista Marcelo Bonfá, que interpretarão os pais na adolescência, quando conheceram o líder da Legião Urbana. “Essa escalação é uma homenagem aos dois. Foi uma boa maneira de liga-los ao projeto, que inclui todas as pessoas que o Renato amava”.

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